NCL
- Eu queria que falasse um pouco sobre sua música. AB - A minha formação
é erudita. Mas sempre tive um olhar atento sobre musica
popular, seja ela africana, americana ou de qualquer parte do
mundo. Minha música de hoje trabalha com as possibilidades
da música erudita, mas em sua base remete à música
afro-latino-americana, que tem um potencial de energia muito forte.
NCL - Utilizar elementos da musica popular na
música experimantal não é uma prática
muito comum. Por que a opção? AB - Há alguns
anos, compositores de várias partes do mundo vêm
tentando sair do impasse da musica erudita fechada em si mesma,
sem comunicação com o mundo exterior. E existe uma
nova corrente, da qual faço parte, que busca uma música
erudita capaz de comunicar do mesmo jeito que a musica popular,
sem, no entanto renunciar a todas as possibilidades de pesquisa,
às novas sonoridades, a surpreender o ouvinte sem se ater
apenas ao clichê. O labirinto a que se refere o titulo do
disco é o labirinto de signos musicais, composto pela musica
popular, a pop, o folclore, ritmos diversos que se encontram de
uma forma nova.
Minha pesquisa é mais sobre o ritmo. Também utilizo
muitos recursos eletrônicos, para fazer superposições
de ritmos, construindo novos sons. Tem uma musica no disco, por
exemplo, que é quase techno, mas a base é santeria
cubana.
NCL - E como se da esta inclusão de elementos
da musica eletrônica, que também é um tanto
incomum na música erudita? AB - Quando eu comecei
a pesquisar a musica africana, ou mesmo a musica daqui do Recôncavo,
eu peguei samplers de tudo e fui fazendo superposições,
utilizando misturas, como por exemplo musica de capoeira e santeria
cubana. O objetivo é criar um timbre novo. Do original,
quase que não tem nada, só o jeito de tocar. As
pessoas vão reconhecer, mas vai ser como ouvir a musica
num filme. É como uma viagem dentro da percepção.
NCL - Que tipo de público já assistiu
a este concerto na Europa e qual foi a sua reação? AB - Apresentamos
nos próprios festivais de musica contemporânea e
também em eventos de caráter mais pop. Sem uma definição
muito clara. E houve grande receptividade - as pessoas queriam
comprar o disco, saber mais. Existe um publico novo para a musica
contemporânea - é o mesmo publico que assiste aos
filmes de Wim Wenders ou Pedro Almodóvar, gente interessada
em arter contemporânea.
NCL - Suas referências para a musica que
faz são freqüentemente cinematográficas. Qual
é a ligação entre as duas coisas? AB - A base de minha
apresentações esta cada vez mais multimídia.
Meu trabalho com Ines Fontenla, que é uma artista plástica
argentina, mostra isso. As colunas com mapas, que ela criou e
estão na capa do disco dizem isso: como a terra pode ser
diferente, como ficou diferente desde Pangea. É um olhar
muito poético, que combina muito com meu projeto musical,
no qual os continentes se cruzam e depois disso ficam diferentes.
No concerto, ela vai mostrar dois vídeos. Além disso,
participa a bailarina Vera Passos, que faz uma coreografia com
base em ritmos afro.
NCL - O que acha da musica techno. Com seus autores
que tocam discos e samplers, em vez de instrumentos? AB - No cenário
erudito, falar de techno é como falar de uma doença.
Mas agora a coisa etsa mudando. Por exemplo, um dos concursos
de musica eletroacústica mais importantes, que é
o da Radio Austríaca, abriu uma categoria destinada à
musica techno. O techno, em sua forma intuitiva, realiza musicas
muito interessantes. E' um fenômeno importante - o problema
é escolher dentro de uma selva, onde tem de tudo.
NCL - Como deu essa usa conexão com a musica
brasileira? AB - Sempre tive
uma grande admiração pelos músicos brasileiros,
principalmente João Gilberto, que eu considero um dos maiores
do século, incluindo os eruditos, e Caetano Veloso, por
sua sensibilidade e inteligência. Mais recentemente, passei
ad admirar Carlinhos Brown, pela sua intuição a
360°. Mas só estou citando os fundamentais. Fazem parte
da minha coleção quase tudo o que foi produzido
no Brasil nos últimos 30 anos.
NCL - Planeja continuar trabalhando com musica
brasileira?
O projeto do próximo disco já esta em andamento
e vai ter a participação de Arnaldo Antunes, de
Margareth Menezes e do Olodum, com quem gravei durante a Copa,
em Paris.
NCL - Será a primeira vez que se canta
num disco do gênero? AB - Nada jamais
é feito pela primeira vez. Mas acho que é a primeira
gravação completa deste tipo. E é um passo
a frente na minha pesquisa sobre a possibilidade de encontro entre
dois mundos. Uma das letras foi feita por Arnaldo Antunes e a
outra é de Francisco Serrano, um poeta mexicano que foi
o principal colaborador de Octavio Paz. Além disso, temos
a participação do grupo português Ala dos
Namorados e de cantores africanos.
NCL - Todas as letras são em português?
AB - Sim, é uma homenagem a língua
portuguesa, que é muito musical. O italiano também,
mas ele é mais melódico. O português sugere
uma articulação mais rítmica do que melódica,
mas fica a impressão melódica por causa da sua cor.
É a língua latina mais rica de todas, a que oferece
as maiores possibilidades de invenção.